Na minha infância,as aulas de informática se resumiam a aprender o que era um CPU, monitor, mouse, teclado, impressora e assim por diante. Nas aulas que chegava a de fato usar um computador era para fazer algum desenho no saudoso Paint (ferramenta para criação de desenhos simples e para a edição de imagens) e ao final podia salvá-lo num disquete.
Posteriormente algumas coisas foram avançando, é claro, mas nada comparado a infância atual, minhas aulas se resumiam no aprendizado do que era o computador, como devíamos ligá-lo e desligá-lo, e qual era a serventia de cada um de seus acessórios. Em casa, a princípio, havia um único computador para todos nós, e eu usava pouquíssimo, geralmente aos finais de semana paga jogar algum jogo de cd.
Na geração atual, crianças aprendem a engatinhar, dar os primeiros passos, e logo os primeiros toques nas telas. Muito antes de serem alfabetizadas já tem total noção de como ligar e desligar celular, tablet, computador ou televisão, deslizar pelos feeds, escolher seus vídeos favoritos, pausá-los, aumentar e diminuir o volume e assim por diante. Algumas passam a ter o próprio celular ou tablet, e passam incontáveis horas do dia conectadas.
Isso acontece, pois o celular tem sido um protagonista na vida da maioria das pessoas, logo seus filhos já nascem tendo o celular como um dos membros da família, presente da hora que acordam a que vão dormir, sabe-se lá quantas selfies, vídeos e boomerangs são gerados durante esse período.
Algumas crianças viram até “Instagrammers”, produtores de conteúdo com grande poder de influência no Instagram, antes mesmo de aprender a andar. No Brasil, temos alguns exemplos de perfis infantis, sendo parte filhos de famosos, mas essa não é uma realidade que se restringe a esses. Alguns exemplos de perfis infantis administrados pelos pais são: @enricobacchioficial, @valentinamunizreal, @sophiacardiaguiar, @babyzione @jake.com.
O fato é que toda essa convivência com o celular e com a internet, consequentemente interfere na vivência social dessa geração. Se antes a escola,depois da família, era um dos principais grupos sociais de absorção de conhecimento, hoje a internet passou a superar o ambiente escolar, já que chega na vida dos indivíduos muito antes da escola, fazendo parte da sua formação intelectual e crítica.
Mas afinal, quais são os pontos positivos e negativos de ter a internet como protagonista na infância? E de que forma isso atinge o processo educacional?
Sem dúvidas a internet é uma janela para o mundo, barreiras físicas são quebradas, podemos viajar por todo tipo de cultura, é como se tivéssemos o mundo em nossas mãos. Um benefício de suma importância,e de grande exemplo para o momento que estamos vivendo,é que ela permite um novo tipo de relação: a relação à distância. Graças a isso em diversos países, incluindo o Brasil, foi possível manter,para uma parte da sociedade, o ano letivo, mesmo com as escolas fechadas devido à pandemia de covid-19. Evidentemente existem certas dificuldades nesse processo de educação remota, mas só de haver essa possibilidade já é algo incrível.
Também através dela temos acesso a milhares de informações em poucos segundos, por vezes parece que ela tem resposta para tudo. Sabe aquela famosa fase da infância e que tudo é “por quê?” nem sempre a resposta poderia vir imediatamente antigamente, mas agora basta um comando como ”ok Google…” ou alguns segundos de digitação e você já tem inúmeros resultados para o seu questionamento.E aqui começo com os pontos negativos…
É adequado que crianças tenham acesso a resposta para todo e qualquer tipo de questionamento que tiverem? E ainda, será que essas respostas são verídicas?Aqui temos um início do processo de uma desinformação, para além das notícias falsas, temos também falsas teorias que contrariam a Ciência e a História, como por exemplo a de que a terra é plana ou que o Nazismo e Holocausto nunca existiram. Essas falsas verdades espalhadas por redes como o YouTube e Facebook, se contrapõe com a Ciência e História, gerando confrontação entre alunos, que consomem esse tipo de material na internet, e professores.
Sendo esses alunos crianças e adolescentes facilmente se identificam mais com esses youtubers e influenciadores digitais, devido a proximidade de faixa etária, interação, tempo de consumo, enfim, essas figuras começam a ser tornar, para eles,mais confiáveis que seus próprios professores, fazendo com que a verdade encontrada através da internet prevaleça.
Além do fator da desinformação, existem diversos outros fatores negativos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a dependência ou o uso problemático dessas mídias, além de causar problemas mentais e aumento da ansiedade, também gera transtornos de sono e alimentação, sedentarismo, problemas auditivos, visuais e posturais. No caso de crianças menores de 6 anos, esse consumo também pode acarretar maiores problemas psicológicos, já que não conseguem separar a fantasia da realidade.
Diante desses elementos, acredito que se na minha infância uma aula de informática era necessária para aprender como utilizar de maneira técnica um computador,hoje é preciso que uma disciplina que vá além e fale sobre as regras necessárias para utilização da internet, desde configurações para segurança e privacidade, como quais senhas utilizar, quais fotos, vídeos ou informações compartilhar ou não, até assuntos como comportamento, cyberbullying, enfim.
Entre esses, um dos principais temas a serem tratados deve ser a desinformação na internet, é importante que crianças sejam ensinadas como diferenciar a verdade da mentira, informação de conhecimento. Por mais que pais/responsáveis permitam que seus filhos tenham seus próprios celulares e computadores, e tirem suas dúvidas através da internet, o saber e a figura de um professor não podem ser substituídos. Em resumo,o crucial é que antes de imergirem no mundo virtual, crianças aprendam todas as regras necessárias para se conviver nesse ambiente, e para isso a presença de um educador que entenda do assunto é essencial, pois creio um dos melhores lugares para se aprender sobre um processo que vai interferir em toda vida em sociedade, é na escola.
Colunista da Aplitech Foundation
Júlia Moreira – Professora formada pelo Instituto de Educação Sarah Kubitschek e Graduanda em Jornalismo pela Universidade Estácio de Sá