O setor da educação foi fortemente afetado pela pandemia da COVID-19. Uma série de problemas vieram à tona quando as escolas fecharam para evitar o aumento da disseminação do vírus e o país começou a mergulhar em uma crise financeira. Para evitar que milhares de crianças e jovens ficassem sem aulas por meses as instituições públicas e privadas empregaram ferramentas tecnológicas de ensino a distância, o que acabou escancarando a desigualdade social (O lado oculto do ensino a distância no combate à desigualdade social).

Ao mesmo tempo, com o aprofundamento da crise econômica e o aumento do desemprego as instituições particulares – principalmente de educação infantil, começaram a perder alunos e ao mesmo tempo o número de inadimplentes aumentou. Agora, os estados discutem a reabertura das escolas, proposta que foi criticada em duas frentes: o aumento da exposição de alunos e professores em um momento em que o vírus ainda não está contido e a possibilidade de que os docentes precisem enfrentar carga de trabalho dobrada para acompanhar as turmas reduzidas nas modalidades presencial e a distância.

Essa crise na educação toca em diversos pontos que passam por questões sociais, de gênero, de políticas públicas e pela nova dinâmica de trabalho que se apresenta. No sentido da mudança da estrutura de trabalho dentro desse cenário, os profissionais da área da educação precisaram adaptar suas rotinas e didática abruptamente, conciliando com a insegurança no trabalho e um aumento de atividades. O material didático precisou ser adaptado para as aulas online, em powerpoints ou outras linguagens, e uma nova forma de comunicação precisou ser estabelecida com os alunos. O uso de ferramentas para consolidar esses objetivos não só demanda tempo, como muitas vezes tem uma curva de aprendizado para profissionais que nunca precisaram utilizá-las antes.

Na prática, isso se traduziu em um aumento significativo nas horas trabalhadas de um profissional que já está sobrecarregado. Uma pesquisa do Instituto Península (“Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus no Brasil”) mostrou, em sua segunda fase – após seis semanas de isolamento, que em média 83% dos professores ainda se sentiam pouco ou nada preparados para o ensino a distância, sendo que 88% nunca tinham dado aula à distância antes e apesar disso apenas 39% receberam algum tipo de treinamento.

Em relação à percepção do seu papel, 3 em cada 4 docentes acreditam que devem interagir remotamente com os alunos. Dos 61% dos professores que estão mantendo contato com seus alunos, 83% o fazem através de WhatsApp – número que é significativamente menor na rede privada que em compensação conta com mais contato por Ambientes Virtuais de Aprendizagem. O WhatsApp por sua vez apresenta o problema de ser um canal informal de comunicação que não respeita os horários de sala de aula. O resultado de toda essa equação são profissionais preocupados com sua saúde mental que estão ansiosos (66%), entediados (36%), cansados (38%), estressados (34%), sobrecarregados (35%) e frustrados (27%).

A pesquisa ilustra o impacto que a pandemia teve nos professores de educação básica e que está inserida dentro de um quadro de precarização do setor em que a pressão sobre o papel do professor aumenta. Nesta lógica, o docente acumula novas responsabilidades que o colocam em uma situação de constante tensão, realizando funções que extrapolam sua área de formação e ficando responsável por atividades de gestão e planejamento. Somado a isso está um movimento de desqualificação da formação profissional,arrochos salariais, exaustivas jornadas de trabalho para completar a renda e a flexibilização do trabalho através da contratação de professores temporários. De forma que a atual crise demonstra um aprofundamento de um processo que já vinha ocorrendo.

A pressão que os docentes colocam em si mesmos para manter a interação remota com seus estudantes – mesmo que as custas de seu tempo pessoal, e de acompanhar tecnologias – ainda que sem treinamento ou suporte das escolas, reflete o papel desses profissionais na sociedade.Em estudos anteriores, Garcia e Anadon(2009), já verificavam que a conduta dos docentes no país é calcada por uma ética salvacionista e missionária que resulta em um processo de auto intensificação de trabalho e auto responsabilização.

Esses sentimentos não acontecem no vácuo, eles vêm dos discursos e propostas educacionais oficiais que exploram a autoimagem e profissionalismo desses profissionais. Ou seja, da percepção de uma falha da educação – as pesquisadoras abordaram em particular a rede pública, surge um sentimento de responsabilidade que os incita intensificar seu trabalho para cobrir essa lacuna, o que é alimentado por mecanismos oficiais.

Assim, enquanto repensamos o futuro da educação depois da epidemia, temos a oportunidade de olhar para essas questões e corrigir falhas. Cabe refletir sobre os limites do papel do professor e rever o espaço que as instituições devem ocupar. Se, como disse Andreas Schleicher (diretor de Educação da OCDE) em entrevista para o El País, o ensino online será crucial para o futuro da educação e os professores terão que adaptar a forma que ensinam, então precisamos dar a alunos e professores a estrutura e suporte que eles precisam para que a educação diminua desigualdades e não as amplie. Está na hora de valorizar nossos educadores, buscando reestruturar seu trabalho, investir em profissionalização e qualificação.

Fontes:

https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-04-23/professores-terao-que-mudar-seu-jeito-de-ensinar-depois-da-quarentena.html

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/07/01/Professores-o-risco-da-volta-%C3%A0s-salas-e-a-ansiedade-na-pandemia

GARCIA, Maria Manuela Alves  and  ANADON, Simone Barreto.Reforma educacional, intensificação e autointensificação do trabalho docente. Educ. Soc.[online]. 2009, vol.30, n.106, pp.63-85.

Colunista da Aplitech Foundation

Mariana Tabossi – Sou formada em Relações Internacionais com mestrado em Política Economica Internacional pela King’s College e assim como um sábio disse uma vez eu não acredito que sou jovem o suficiente para achar que sei tudo (atribuído a Oscar Wilde), por isso continuo buscando conhecimento como forma de aprimoramento pessoal e profissional.

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